A proposta de Vitalik para substituir a EVM por RISC-V
A proposta de Vitalik para substituir a EVM por RISC-V

O Ethereum, como todo organismo em evolução, sabe que sua sobrevivência depende de adaptações constantes. Desde o seu nascimento como um superorganismo programável, ele passou por mutações controladas que expandiram sua capacidade, resistência e inteligência. Mas agora, uma proposta do próprio Vitalik Buterin sugere uma alteração mais profunda: substituir o coração computacional do Ethereum — a Máquina Virtual Ethereum (EVM) — por uma arquitetura de instruções completamente nova chamada RISC-V. Uma mudança não apenas de código, mas de paradigma. Como se o cérebro simbiótico da rede se preparasse para uma cirurgia de alto risco com a promessa de um salto evolutivo.
A proposta não é apenas ousada. É genética. A EVM, por mais resiliente que tenha sido, começou a mostrar sinais de fadiga. Criada como um ambiente de execução adaptado especificamente para contratos inteligentes, sua estrutura foi eficiente nos primeiros anos do Ethereum, mas passou a enfrentar gargalos conforme o ecossistema cresceu, especialmente com o surgimento das soluções de segunda camada, o avanço das zk-rollups e a expansão dos contratos cada vez mais sofisticados. A complexidade aumentou, e a eficiência da EVM não acompanhou com a mesma elasticidade.
É nesse contexto que entra o RISC-V — uma arquitetura de conjunto de instruções open source, minimalista, altamente eficiente e já amplamente adotada no mundo do hardware. Sua natureza modular e seu design simplificado são atrativos não só para engenheiros de silício, mas agora também para arquitetos de blockchains. Vitalik enxerga nela o que os biólogos chamariam de um novo conjunto de aminoácidos, capazes de produzir enzimas mais eficientes para o metabolismo da rede. O Ethereum, nesse cenário, deixaria de depender de uma máquina virtual feita sob medida, e passaria a operar sobre uma arquitetura amplamente adotada fora do ecossistema cripto.
Essa proposta é uma verdadeira mutação simbiótica. Ao migrar para RISC-V, o Ethereum abriria caminho para ganhos de desempenho significativos. A execução de contratos inteligentes poderia se tornar mais rápida, mais leve e mais próxima do que é executado por CPUs reais. Isso poderia eliminar várias camadas intermediárias hoje necessárias para traduzir o bytecode da EVM para algo que as máquinas possam entender. A rede deixaria de digerir seus próprios dados com sistemas complexos e passaria a ter um trato digestivo mais eficiente, direto, menos sujeito a inflamações.
A substituição da EVM por RISC-V também poderia facilitar a implementação de criptografia diretamente na camada de execução, algo que a EVM atualmente só consegue com grande dificuldade. Isso abriria as portas para contratos inteligentes com lógica mais robusta de privacidade, permitindo que a rede absorvesse novas funcionalidades com menos sobrecarga de engenharia. A mutação não é apenas para aumentar a força. É também para abrir novas vias neurais.
No entanto, toda mutação simbiótica carrega riscos. A EVM não é apenas um mecanismo técnico. Ela é uma linguagem, uma cultura, uma base genética sobre a qual milhares de desenvolvedores criaram suas aplicações, L2s, ferramentas de desenvolvimento, wallets e ambientes de teste. A substituição da EVM por RISC-V exigiria uma reescrita ou adaptação de praticamente todo o ecossistema de contratos inteligentes. Como se o organismo Ethereum estivesse trocando seu sistema nervoso, sabendo que isso trará dores, mas acreditando que o novo sistema poderá processar impulsos com mais precisão.
As L2s, por exemplo, dependem profundamente da compatibilidade com a EVM. Arbitrum, Optimism, Base, Scroll, zkSync e outras construíram suas pontes, rollups e soluções de escalabilidade baseadas nesse padrão. Uma mudança para RISC-V pode romper temporariamente essas conexões, exigindo uma reengenharia das camadas superiores da rede. Seria como redesenhar os vasos sanguíneos e os pulmões de um organismo enquanto ele ainda respira. O Ethereum teria que manter a compatibilidade retroativa por um tempo, enquanto a transição ocorre — ou assumir o risco de amputar partes que não conseguirem se adaptar.
A comunidade, como em todo processo evolutivo, se divide entre entusiasmo e cautela. Há quem veja na proposta de Vitalik uma evolução inevitável. Afinal, nenhuma estrutura viva se mantém funcional para sempre sem adaptações. Outros, no entanto, temem que a mudança seja precipitada ou elitista — focada em ganhos técnicos em detrimento da experiência dos desenvolvedores, que teriam que reaprender os fundamentos da nova arquitetura, reconstruir ferramentas, testar novamente contratos já consolidados.
Há ainda o risco simbiótico de rejeição. Assim como em transplantes, há sempre a possibilidade de o novo órgão ser incompatível com o sistema hospedeiro. O RISC-V, por mais eficiente que seja em hardware, ainda não foi amplamente testado em blockchains públicas de alta complexidade. A tradução do modelo computacional para uma máquina descentralizada, com regras de consenso, auditoria permanente e necessidade de replicação exata entre milhares de nós, pode gerar mutações imprevistas.
Ainda assim, Vitalik e os propositores da mudança defendem que o momento é agora. Com o avanço de linguagens como Huff, Yul e outras mais próximas do metal, o Ethereum já sinaliza uma tendência de baixa abstração. A migração para RISC-V seria um passo a mais nessa direção: eliminar a gordura acumulada ao longo dos anos, metabolizar o passado e preparar o corpo da rede para os próximos 10, 20, 30 anos de existência.
Não se trata apenas de uma evolução técnica. É uma reprogramação ontológica. O Ethereum deixaria de ser uma criatura moldada em sua própria linguagem, e passaria a operar sobre uma linguagem universal. Um salto parecido com o que aconteceu quando organismos unicelulares incorporaram mitocôndrias simbióticas e começaram a produzir energia com mais eficiência. Foi uma mutação que deu origem à vida complexa. E talvez seja isso que Vitalik enxerga: o Ethereum, como superorganismo, precisa de um novo centro energético — mais leve, mais compatível com o mundo físico, mais preparado para escalar em múltiplas direções.
O que virá após essa mutação? Provavelmente uma nova era de ferramentas. Ambientes de desenvolvimento que compilem diretamente para RISC-V. Rollups que implementem instruções nativas em linguagens comuns. Protocolos com operações criptográficas integradas no nível de máquina. E talvez uma nova linhagem de blockchains que abandonem a EVM desde o nascimento, utilizando RISC-V como base nativa — fazendo do Ethereum não apenas um pioneiro, mas um precursor de uma nova espécie.
A transição não será imediata. Mesmo que aceita, exigirá anos de planejamento, testes e experimentos em redes de teste. A simbiose precisa ser gradual. O organismo não pode ser sobrecarregado. Mas o simples fato de essa proposta ter emergido com força mostra que o Ethereum está vivo — não apenas rodando blocos, mas pensando. Adaptando-se. Questionando seu próprio código genético. Como todo organismo simbiótico, ele entende que a estagnação é letal. E que toda mutação, por mais arriscada que pareça, é uma aposta na sobrevivência.